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Em busca de um ambientalismo para “joão-do-barro”.

Atualizado: 24 de jul. de 2021

Há algum tempo tenho acompanhado que a temática ambiental e o enfrentamento aos problemas climáticos estão cada dia mais presentes no debate brasileiro. Em qual debate? De qual brasileiro? Lideranças políticas organizam-se em convenções mundiais e ameaçam realizar barganhas caso grandes indústrias e o agronegócio não busquem mitigar emissões de gases de efeito estufa. Muitos países, nos quatro cantos do mundo, aguardam ansiosos pelo posicionamento do Brasil, a maior potência de biodiversidade do mundo, frente aos desafios ambientais do século XXI. Enquanto isso, o Brasil busca ser poliglota na conscientização climática, mas não consegue sequer falar a língua de seu próprio povo. Por que, o que e para que preservar? São perguntas que, aos olhos de alguns ambientalistas brasileiros, podem ser ofensivas. Afinal, quem não conheceria os terríveis efeitos do dióxido de carbono e do óxido nitroso na atmosfera e seus impactos no equilíbrio do ecossistema em um país em que mais da metade da população não tem conhecimento básico na área de ciências, não é mesmo? Ao acordar, evite gastar água, não interessa se você possa estar entre os 35 milhões de pessoas sem água tratada. E, ao fazer suas necessidades, por favor economize na descarga, ainda que você faça parte dos 100 milhões de brasileiros que não têm acesso à rede de esgoto. Quando você sair de casa, às 5h da manhã, evite os transportes que utilizam combustível fóssil. Sabe o trajeto de 1h30 dentro de seu ônibus superlotado para conseguir ir até ao trabalho? Faça-o de bicicleta! Você demorará mais tempo para chegar ao seu destino, o que gerará um menor convívio com sua família, menos tempo de descanso e de lazer. Mas o planeta agradece. E não se esqueça, hoje é segunda-feira! Sem carne, viu? A fermentação entérica do gado agrava a emissão de metano na atmosfera e aumenta o efeito estufa. Por isso, utilize o seu salário mínimo para realizar compras em feiras orgânicas, cujo preço é 30% mais caro do que os convencionais. Ao retornar para casa, economize energia: substitua a televisão por um livro, quem sabe. Não importa se estudos dizem que 90% dos brasileiros não conseguem sequer ler e interpretar um simples texto. Isso tudo pode fazer muito sentido para você que está nesse momento lendo esse artigo em seu computador, ou smartphone, sentado no privilégio da sua sala, com as luzes acesas, com ar condicionado ligado e a geladeira cheia. Mas será que faz sentido para a maioria dos brasileiros? Precisamos urgentemente aprender a dialogar com a realidade. O negacionismo sobre as mudanças climáticas é um atraso imensurável para o Brasil, mas não maior do que a ignorância sobre o nosso retrato histórico: um país desigual que não possui sequer condições básicas de acesso a bens e serviços e que não se debruçará a compreender nada do que o pão do dia seguinte. Adotar um discurso intimidador que não busque incentivar a sociedade ao conhecimento da emergência climática, mas sim julgar pela não adesão de práticas totalmente aquém de seu contexto social, econômico e cultural faz de nós desmatadores do bom senso, emissores de arrogância e produtores de elitismo. Precisamos de um ambientalismo real, que encaixe, sem dificuldades, na vida e no cotidiano do cidadão comum, que, atualmente, está à margem do debate sustentável. Muito por culpa de nós, ambientalistas, que ainda insistimos em realizar um debate acadêmico, chato, distante da realidade e das demandas da população.


A agenda de um desenvolvimento verde não pode ser inimigo da renda, do sustento, do lazer, mas sim uma alternativa que componha todos esses temas de forma mais inclusiva, plural e benéfica à sociedade. Mas, para isto, não basta que troquemos um sapato de couro por um com plástico reciclado de oceano. Precisamos colocar os pés no chão. Sentir a natureza. Precisamos nos enxergar como sociedade, nos apropriar da nossa história e plantar um futuro a partir da realidade brasileira. Substituamos os sabiás dos voos altos e exuberantes, metricamente perfeitos, por cantos capazes de se comunicarem com o João, que veio do barro. Mas como transformar um assunto complexo e incomum no vocabulário das pessoas em algo digno da atenção e acessível a todos? Para a ativista climática e ex-candidata a vereadora de São Paulo em 2020, Flávia Bellaguarda, a agenda ambiental ainda é tratada de forma elitista e superficial, sendo fundamental uma adequação discursiva por parte dos ambientalistas que coloque a pauta de forma transversal a tudo que se fala e se faz no dia a dia. Em pesquisa realizada pelo IPEA, em que são avaliadas as prioridades dos brasileiros, o enfrentamento às mudanças climáticas encontra-se longe de ser considerada uma preferência, figurando atrás de questões como educação, saúde, segurança, emprego entre outros. Mais um exemplo sobre o desconhecimento da população acerca do que um desenvolvimento sustentável pode significar para o país em grande parte desses aspectos. Na educação, por exemplo, um dos principais problemas encontrados pelos estudantes que evadem do sistema educacional é a dificuldade financeira familiar e a necessidade de dedicar-se ao emprego. Quase 1/3 dos jovens abandonam a sala de aula para dedicar-se a um mercado de trabalho com oportunidades cada vez mais escassas àqueles que não conseguem concluir a educação básica. Todavia, segundo a Organização Internacional do Trabalho, a tendência é que milhões de empregos verdes - que não envolvem atividades poluentes, sejam gerados ao longo dos próximos anos, inclusive superando as ofertas vagas em setores convencionais.


Na saúde, também temos problemas estruturais que variam de problemas de acesso a serviços, como o saneamento e a incompetência governamental em superar um problema básico e indispensável para dignidade dos brasileiros. A não oferta desse serviço condena a população à convivência com doenças infecciosas (ex.: cólera). Além disso, a poluição atmosférica é um grande problema para a saúde, principalmente para os habitantes de grandes centros urbanos.


Se a poluição atmosférica é uma das grandes responsáveis pelo alto número de internações hospitalares por doenças respiratórias, os empregos verdes mostram-se mais estáveis e rentáveis para as próximas décadas.


Porém, ainda insistimos em centralizar o debate ambiental em utopias demagógicas impraticáveis que delegam o pensamento verde a uma ideologia, em vez de fortalecermos a defesa de uma agenda factível e necessária para o desenvolvimento de políticas públicas efetivas para o avanço do país em níveis sociais, econômicos e culturais.


Quero falar de um ambientalismo de morro, que explique para a Maria o motivo da variação dos preços das hortaliças, verduras e legumes. Que diga ao seu João o porquê dos verões estarem cada vez mais quentes, e os invernos cada vez mais rigorosos. Guarde a discussão sobre a extinção da foca-monge do Havaí para quando você se reunir com os amigos, no Bar Alternativo, no glamour da Vila Madalena. Lá, você estará longe de toda realidade concreta daqueles que precisam se sentir pertencentes e incluídos na agenda climática. Mas não se preocupe com isso, salve o meio ambiente! Peça um um mix de rum Zacapa 23, com leve aroma de caramelo, sem canudo de plástico que estará tudo certo.


Sobre o autor: Jota Júnior

Assessor político, ex-coordenador do Movimento Livres no Rio Grande do Sul. Conselheiro Voluntário do Ranking dos Políticos na área ambiental. Graduando em Políticas Públicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com ênfase em Política Ambiental, com aprofundamento nos estudos de ciências climáticas, empreendedorismo verde e justiça ecológica. Tem experiência na área de comunicação política e sustentabilidade, relacionamento, e gestão de projetos.


Jota Júnior participou da 5ª edição do Curso YCL no primeiro semestre de 2021 como bolsista. As referências e opiniões expressas no artigo são de responsabilidade do autor.

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