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Graciliano, sinto dizer, mas as vidas continuam secas.


Quadro Retirantes de Candido Portinari

No final da década de 1930, o Brasil vivia uma efervescência cultural na literatura, que estava voltada para a região Nordeste do Brasil. No embalo desse fenômeno literário modernista, o escritor Graciliano Ramos publicou sua Magnum opus, Vidas Secas”. A obra relata os percalços de uma família de retirantes do sertão nordestino, diante de problemáticas como a fome, a desigualdade social, e a seca. O romance é uma ficção que possui quase 100 anos desde sua publicação, no entanto, a história se encaixa fielmente à trajetória de diversas famílias sertanejas.

O ambiente popularmente conhecido como Sertão, se refere a porção mais interna da região nordeste, onde o clima semiárido e o ecossistema de Caatinga predominam. Historicamente, a região têm sofrido com com eventos climáticos extremos, como secas frequentes. As secas são um dos elementos que modelam as formas de vida das populações sertanejas, e são representadas por diversas manifestações artísticas e culturais, como no livro Vidas Secas. Muito provavelmente, Graciliano Ramos não conhecia temas como mudanças no clima e aquecimento global, no entanto, em sua obra, ele conseguiu narrar de forma exemplar os efeitos nefastos que extremos climáticos, como as secas, podem causar sobre a vida das pessoas.

Desde a publicação desta clássica obra, até os dias de hoje passaram-se exatos 83 anos. Nestas oito décadas, a degradação ambiental da Caatinga, somada ao progressivo aumento da temperatura, baixo dinamismo social e poucas políticas públicas voltadas ao povo sertanejo e a seu ambiente, fez com que a seca e seus desdobramentos se tornassem cada vez mais frequentes.

Estudos mais conservadores, indicam estimam um aumento em escala global de 0,5º a 1º C na temperatura do ar, além da redução em 20% da precipitação até 2040, com possível aumento gradual da temperatura de 1,5º a 2,5ºC, e redução de 35% nos padrões de chuva até o final do século. Tais previsões indicam que o sertão nordestino, poderá ficar ainda mais vulnerável, pois, o agravamento do déficit hídrico somado ao aumento da temperatura pode acarretar no aumento da frequência de doenças, além de insegurança hídrica e alimentar.

A situação é ainda mais agravante, quando observamos os componentes socioeconômicos envolvidos na complexa relação entre as mudanças climáticas e o povo nordestino. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região Nordeste concentra um valor proporcional a 47,9% da pobreza no Brasil, o que a torna a região na qual mais pessoas vivem em situação de pobreza, entre as cinco regiões do país.

Além das problemáticas socioeconômicas, o semiárido brasileiro sofre também com intensas perturbações ambientais, a paisagem por trás de todas as histórias envolvendo o sertão, é o ecossistema de Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro. O bioma possui um intenso histórico de uso dos recursos vegetais por comunidades humanas, sendo um importante componente na vida destas populações, que utilizam os recursos para alimentação, construção, combustível, usos religiosos e medicinais. O crescente avanço das mudanças climáticas, associadas a modificações nos usos da terra tornaram a Caatinga um bioma fragmentado e ainda mais suscetível a eventos de seca extrema e desertificação, este último já afetando 13% de seu território.

Mapa da Caatinga em congruência com a região de clima semiárido - Fonte: Embrapa Semiárido

Com tantas variáveis envolvidas, o sertão e os sertanejos, deveriam ser observados como elementos prioritários em ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. No entanto, os avanços em políticas públicas têm sido muito lentos. A nível nacional, não há ações voltadas para o enfrentamento das mudanças climáticas no sertão, logo, essas ações ficam a cargo dos governos subnacionais, que ainda caminham a passos lentos na discussão. A nível internacional, pouquíssimos representantes vindos do sertão nordestino participaram da COP-26 esse ano, em Glasgow, na Escócia.

Apesar dos avanços nas pautas climáticas e ambientais, a discussão em torno dos desafios e perspectivas do sertão nordestino manteve-se quase no mesmo estado que foi descrito em Vidas Secas, ainda em 1938. A forma como vivem, e os problemas que o povo sertanejo enfrenta, são iguais ou até maiores do que os detalhados por Graciliano, como se de alguma forma, o tempo tivesse parado de passar no sertão, permanecendo na mesma pobreza e na seca extrema da época em que o livro foi escrito, permanecendo nas vidas secas.


Referências

Soares, M. O. et al. Challenges and perspectives for the Brazilian semi-arid coast under global environmental changes. Perspectives in Ecology and Conservation. Volume 19, Issue 3, July–September 2021, pages 267-278. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2530064421000523.

Cavalcante, L., P. Mesquita, S. Rodrigues-Filho. 2020. “2nd Water Cisterns: Social Technologies promoting adaptive capacity to Brazilian Family Farmers.” Desenvolvimento e Meio Ambiente, Vol. 55, 433-450. Disponível em: http://www.lacea.org/vox/?q=blog/impacts_climate_change_brazil

Ramos, G. Vidas Secas. 2005. Editora Record. Rio de Janeiro.

Tabarelli, M. et al. Caatinga: legado, trajetória e desafios rumo à sustentabilidade. Ciência e Cultura, vol. 70, n. 4. São Paulo, Oct./Dec. 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000400009.


Sobre o autor:

Valdir Moura é fellow YCL, tendo realizado o curso em2021.2, está no último semestre da graduação em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Pernambuco, preparando-se para ingressar no mestrado. Possui expertise em pesquisa sobre adaptação e mitigação das mudanças climáticas no semiárido brasileiro, já tendo publicado trabalhos na área em periódicos internacionais. É fundador da Startup de Tecnologia para gestão de resíduos sólidos, Rede Cajá, e do Projeto de divulgação científica e educação ambiental, Movimento Curupira. Faz parte do núcleo Recifense do Fridays for Future e é colaborador do Laboratório de Ecologia e Evolução de Sistemas Socioecológicos da UFPE.


Valdir Moura participou da 6ª edição do Curso YCL no segundo semestre de 2021 como bolsista. As referências e opiniões expressas no artigo são de responsabilidade do autor.








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